terça-feira, 15 de julho de 2008

Vida

Quantos anos já se havia passado? Nem mais sabia. Decerto entre sessenta e setenta. Não acreditava em destino nem em nada. Mas, se deveras, existisse, alguém estava a lhe fuder.

Sem prole, sem esposa. Família? Hum! Nessa idade, velhos não tem família. As mãos já estão calejadas de tanto segurar a pá para enterrar.

Olhando da janela, aquele subúrbio fétido, pessoas a catar lixo, mendigar, um prazer traspassava seus lábios, “Tem gente que não só pisa na merda, mas a come também” e isso aliviava um pouco seu desprazer.

O que havia feito nesses mais de meio século? Não contribuira, decerto, em nada para a sociedade. E devia? Só o rejeitara. Sabe mais? Quero mais que lhe foda!

Quando ainda era menino, a vida nunca fora boa. Logo cedo fora obrigado a trabalhar com o pai na roça. Quando o pai morrera, logo cedo, nem sentiu-se triste. Um alivio! Isso. Fora mais que um alivio, não iria mais levar aquela merda de vida no campo. Fugira. Fora à cidade.

Na roça se ouve muito de pessoas que foram pra cidade. Mas só a partida. Nunca ficara sabendo o que acontecia depois. Ouvia boatos que alguns eram presos, viram mendigos. Nunca ouvira estória alguma de alguém que fora pra cidade e virara gente de valor. Na roça não tem isso. Só tem gente capiau. Que não sabe nem soletrar. Gente sem futuro.

Fora assim. Sem medo. Com a roupa do corpo. Sujo. Chinelo remendado. Comida pra apenas um dia. Um pão, velho e duro, que minguava com água pra dar sabor.

Não demorou muito pra virar mendigo. Sua vida mudara um pouco quando achara dinheiro no lixo. Devolver pro dono!? Pra que? Quem perde dinheiro é burro. Não ia contribuir pra essa hipocrisia de pobre devolvendo dinheiro pra rico e pobre continuando na merda. Pegou o dinheiro e foda-se pro dono.

Não era lá muito dinheiro, mas se fosse usado com sabença duraria. Mas quem disse que Ele tinha tal?! Pobre é burro, e não demorou pra voltar a viver na merda, e até pior do que antes, se é possível. Gastou tudo com bebida e prostitutas. Pobre quando tem um dinheirinho vai bebe.

Vivendo mais de 40 anos assim. Na rua. Sem nada. Não conquistara nada. Nem um tostão. Foi quando se mudou das ruas para um prédio abandonado que o dividia com mais um outro punhado de gente. Em geral viciados, Refugio dos Merdas, era assim que era chamado. Era até um bom nome.

Ia a igreja todo o dia. Não por que tinha fé. Se tivesse fé, já a teria vendido por qualquer tostão em troca de uma bebida vagabunda qualquer. Ia mendigar.

Cristãozinho de classe media, ao ouvir sermão do padre fica todo-todo com a situação do mundo e dá esmola pra pobre. Mas sermão de padre dura pouco. Ficam triste por pouco tempo e logo-logo já voltam a pisar na gente.

Mas o que interessa isso? De pouco importa. O que importa é que davam dinheiro. Bando de trouxa. Acham que tão ajudando. Vou é bebe e fuma hoje a noite as suas custas!

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