domingo, 13 de julho de 2008

O Maníaco

Tudo começou numa aula de psicologia, na faculdade. Robertisson nunca gostou de ir nas aulas da faculdade, se julgava superior a isso. Porém, naquele dia ele quis ir. Por quê? Ora, porque ele já estava no limite de faltas, logo em abril ainda. Ele não era idiota o suficiente para ter que repetir um período inteiro também, né! Pelo menos, ele teve férias prolongadas até o final de abril. De agora em diante, era só chegar na faculdade, marcar presença, assistir uma aula e sair. Simples, não?

Pois então. A primeira aula que ele assistia no ano era de psicologia. A matéria já estava bem pra lá. Era algo sobre “TOC”, Robertisson não estava entendendo muito bem, mas isso despertou o seu interesse. O professor, sujeito esse bem engraçado, por sinal, baixinho, careca, voz fina e bigode exemplar, falava algo sobre manias.

Robertisson devaneou. Teria ele alguma mania? Achou que não. Mas poxa, manias eram tão legais! Ele quis ter uma mania. Passou o dia todo pensando em alguma mania legal.

Começou tentando criar uma segunda personalidade. O que seria de legal numa segunda personalidade? Talvez a segunda personalidade dele pudesse dominar o corpo dele quando ele estivesse em situações de stress. Ele seria mais durão, não precisaria de seus óculos habituais, e saberia kung-fu. Essa era a parte importante, saber lutar kung-fu, que ele sempre quis fazer.

Começou a testar essa mania. Realmente, ela era bem legal, só que a parte dos óculos não funcionava, e ele era faixa amarela no kung-fu ainda. E de durão, só o cotovelo mesmo.

Mas mesmo assim, essa era uma mania muito comum, muito vulgar. Ele queria algo novo, exótico, nunca dantes imaginado!! Pensa, pensa... Poderia sempre se referir a si mesmo na terceira pessoa:

- Robertisson quer jantar, mãe! – gritou ele. Sua mãe não entendeu muito bem, mas fazer o quê? Ele estava gostando.

Porém, algo faltava. Muitas pessoas tinham essa mania, principalmente os índios. Faltava algo que desse classe a essa mania. Quem sabe, algum efeito sonoro... isso! Reverberação! Ele faria um eco artificial quando proferisse seu nome:

- Mãe, traz logo jantar para Robertisson-son-son-son...

Ele estava ficando bom nisso. Ele se sentia o pioneiro nessa mania. Andava confiante de si, achava-se muito legal. Ele geralmente fazia 5 reverberações, 6 quando estava empolgado.

Foi dessa confiança que ele bolou a próxima mania. Ele reservaria uma hora do seu dia, todos os dias, para pensar em si mesmo e refletir sobre seus gloriosos feitos e façanhas. Faria até mesmo um altar em seu quarto para si mesmo, e tinha que encostar lá ao menos uma vez ao dia, todos os dias.

Ele começou a ter fama de louco. Vez ou outra ele saía da aula, ia para a cantina, e ficava ajoelhado em posição de lótus, falando em voz alta, quase gritando, sobre como ele era benevolente. A sociedade era felizarda com sua presença.

A sua proximidade com a cantina lhe causou outra mania. Duas, na verdade: uma era de comprar um tablete de halls preto por hora, mesmo que não os consumisse na íntegra, e morder todas as moedas que recebia de troco para ver se era verdadeira.

Começou, com o tempo, a contradizer tudo o que as pessoas falavam. Mesmo quando concordasse com elas, arrumava uma maneira de discutir, começou a ter facilidade em criar argumentos para assertivas que nem mesmo ele concordava.

Certo dia, viu um filme de pirata. Achou interessante o mistério dos tapa-olhos. Começou a usar um tapa-olho, mesmo que esse olho enxergasse perfeitamente. Parou de tomar banho também, alegando sempre que “é nessas horas que ELES atacam”.

Passou a adotar um referencial. Sempre que ia virar pra algum lado, virava para a direita, recusava-se a virar para a esquerda, a qualquer custo. Quando tinha de faze-lo, virava sempre 270º para a direita.

Começou a ir na biblioteca da faculdade. Agora tinha a mania de folhear livros para ouvir o barulho do livro. Ele fazia isso repetidamente, passava tempos e tempos folheando livros. Dizia que os livros tinham sua própria língua. Foi daí que começou a terminar qualquer raciocínio que tivesse com uma suposta citação de algum livro.

Começou a acreditar que não enxergava coisas azuis. Quando interrogado a respeito, dizia que estava enxergando apenas o vácuo no lugar do azul.

Por falar em azul, ele tinha absoluta certeza de que o planeta Terra era amarelo e quadrado. Seu incentro era sempre a sua posição no momento, motivo esse de a Terra girar, ou de nunca se conseguir chegar ao fim do mundo (os cantos e bordas).

Começou a fazer sua própria comida, sempre, e sempre bebia as coisas numa mesma caneca, que ele nunca lavava, que ele chamou de “A Caneca da Sorte”. Ele realmente acreditava nessa sorte.

Mas isso tudo não era o suficiente. Ele precisava de um hobbie diferente. Ele então passou a fazer pequenos potes de argila. Passava horas moldando-os e pintando-os delicadamente. Depois, pisava neles, quebrando todos em pedacinhos, e os restos ele enterrava, dizendo que era presente seu para a Mãe Terra.

Passou a evitar os bares. Achava que os atendentes de bar eram extraplanares disfarçados e infiltrados na sociedade, e que, por algum motivo, o queriam. Começou a andar mancando. Mancava ora num pé, ora no outro, sem motivos aparentes. Começou a dar nomes novos a tudo o que via, até mesmo para pessoas.

Perdeu (ou acreditou ter perdido, pelo menos) o senso de direção. Se perdia facilmente. Isso era um problema, porque agora ele tinha que ficar sempre perto da água – ele agora pensava poder entrar em combustão espontânea a qualquer momento. Gostava, então de se manter molhado, “para prevenir”.

Sempre que o chamavam, ele gritava “Hayamay!!”, e nem ele entendia o que significava isso.

Pra ele, o tempo não mais passava: o que mudava era a percepção que as pessoas têm de tempo. E as pessoas, ele gostava de as cumprimentar! Cumprimentava-as de uma maneira que ele dizia ancestral: quando alguém lhe era apresentado, ele cospia na própria mão, esfregava no traseiro, e batia na testa da pessoa. Dizia que isso significava “Prazer em conhecê-lo!”.

Nas ruas, gostava de escolher aleatoriamente uma pessoa e a seguir. Esse era um dos seus passatempos prediletos. Gostava também de repetir interrogativamente a última frase que lhe fora dita. Quanto a ele, quando falava alguma coisa, murmurava para si mesmo algo como “Sim, isso é bom, muito bom...”, balançando a cabeça.

Ele gostava de números, mas eles eram muito comuns. Falava-os sempre em porcentagens agora. Achava mais estiloso e matemático. Queimou os próprios dedos para não ter impressões digitais, ora, impressões digitais é algo que todos têm. Só conseguia dormir no máximo 3 horas por dia, e sob a luz do sol. Quando falava com alguém, ficava cutucando a pessoa. Com o dedo mindinho esquerdo. Roia as unhas até elas não mais existirem... usava apenas um tênis... desafiava para um duelo “à moda antiga” todos que discordavam de suas opiniões... perdia a atenção completamente quando via algum objeto brilhante... nunca recusava um desafio, não importava o quão difícil ou perigoso ele era...

Mudava de comportamento com o cair da noite... só comia com as mãos... sempre ria sem controle quando as pessoas mencionavam a palavra “sério”... adquiriu artificialmente alergia a pêlos de cavalo... colecionava pedras de formas diferentes que ele achava na rua... ... ...


...


Meu deus!


Começaram a chamá-lo de O Maníaco.


- Idiotas! Sim, muito bom, idiotas! – gritava ele, ajeitando seu tapa-olho – não é maníaco, é Maníaco-co-co-co-co-co-co...

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