sábado, 15 de outubro de 2011

A bandeja


A cantina da faculdade era sempre abarrotada de gente. As pessoas sabe-se lá porque insistem em fazer as coisas mais tolas e idiotas. Elas ficam no meio do caminho, vêem uma pessoa vindo em sua direção, e o que elas fazem? Ficam no lugar que estavam, dai a pessoa tenta passar por ela e esbarra sem querer e a pessoa já vai pensando "Credo, esbarrando em mim, povo paia sem educação".

Nos meus devaneios de anos e anos pensando, filosofando sobre essas coisas sempre chego a mesma conclusão; Pessoas são tolas, muito tolas!

Mas eu não fico bravo nem nada. Eu acho ate engraçado essas coisas, me divirto. Mas o foco dessa historia não é esse ou melhor, ate é.

Tens que saber, caro leitor, que eu sou bem irascível. Algumas coisas bem diminutas me deixam fulo da vida. Mas não é sempre, as vezes eu gosto de ser gentil. Tenho isso em mim. Essa dualidade paradoxal. Mas não há nada que eu possa fazer.

Quando vou almoçar sempre sento na primeira mesa disponível. Por praticidade. Sigo uma espécie de ritual. Sou bastante metódico. Pego dois copos de suco. Garfos, facas e colheres tem seus lugares específicos.

Um dia estava eu indo comer com minha bandeja em mãos, e como já dito, odeio como as pessoas fazem as coisas do jeito menos eficiente. Dai, estava a andar e uma garota tromba em mim. Ela bate com os peitos enormes dela em minha bandeja, que faz um giro de 180 graus em minha mão, virando totalmente de cabeça pra baixo derramando a comida em mim e sujando a ambos.

Estava pensando mentalmente "Quem foi o idiota, estupido que fizera isso", olhei para frente e vi uma garota muito bonita e super decotada. Tão decotada que metade do meu prato praticamente estava por sobre seus peitos. A vontade de continuar comendo a comida ali mesmo era demasiada, mas em cerca de 2 segundos voltei a realidade.

"Você esta bem?" disse eu gentil e educado para ela, tentando acudir.

Ela apenas olhou para mim com cara de desespero e disse "Você é muito idiota, não olha para onde anda não?"

Na mesma hora fiquei pensando "Como? A culpa é obviamente sua que não estava prestando atenção e fez um movimento abrupto, eu estava na minha, calmo". É realmente espantoso as pessoas, nunca deixam de me surpreender. Nesse instante amigos dela estavam indo ajudar. Ouvindo ela dizer isso, os amigos começaram a me encher o saco, me chamando de lerdo e idiota. Que eu tinha que pagar a comida dela.

Pensei em alguns milisegundos como a situação se desenrolaria. Não importa o que eu falar, eu vou sempre ser o vilão quando se trata de uma mulher, alias, qualquer cara. Se a mulher falar a maior calunia, o cara sempre sobra. Então mais fácil apenas pedir desculpas e dar a grana pra ela né? O que eu fiz.

Apesar de puto, pelo menos evitei transtorno, odeio transtornos ou qualquer coisa que apareça. Estava tudo de boa, voltei com minhas rotinas no refeitório. Ate que duas semanas depois, o que acontece? Vejo a mesma garota no refeitório. Era impossível confundir, apenas por olhar seus peitos já era possível saber quem era.

Desvivei, dei uma volta, mas consegui fugir longe dela, para evitar mais stress desnecessário, apesar deu duvidar de que ela se lembre de mim. Sentei uma mesa longe da que eu costumava sentar para evitar ser visto por ela.

Feliz estava eu, em meus 40 segundos de sentado na mesa, começando a comer meu bife, quando o inevitável acontece. Alias o evitável, totalmente evitável, estupidamente evitável.

Uma bandeja despenca por sobre onde eu estava, me sujando todo de suco, feijão quente, arroz, salada...

Olho para cima e quem vejo. A garota peituda! Estava a me olhar com olhar de repreensão.

Ela só começa a falar "Mas que droga, por que vocês põem a mochila no meio do caminho?"

"Você só pode estar de brincadeira, nem mochila eu estou" falei, já levantando e tentando me limpar.

Nesse momento todos começam a olhar para nos. Uns caras fortes se levantam e vão acudir a guria. Sem o menor puro interesse.

"E ai cara, sabe que é sem educação por a mochila no meio do caminho, as pessoas tropeçam" disse um deles para mim "O que ta pensando em fazer a respeito hein? Coitada dela, ficou sem o almoço"

Fiquei puto. Puto por 3 motivos.

1: A mochila nem é minha e o dono dela nem ao menos se manifestou, covarde.
2: Essa guria de novo fazendo merda pra mim, não tem como ser por querer.
3: Porque mulher sempre manda?! Porque!?!?!

Super difícil sair de uma situação dessas. Note o leitor que eu não sou muito atlético. Levantei, pedi desculpas para ela, falei que não foi intenção minha. E a mesma rotina anterior.

Por favor ainda não perca a fé em mim. Não sou usualmente assim, apenas escolhi o melhor caminho, o de menor resistência. Mas comecei a bolar meu plano para me vingar.

Por que isso não ficaria assim! Ó se ficaria! Eu sempre planejo varias vinganças mentalmente para varias pessoas diferentes, mas infelizmente nunca as executo, em partes porque elas são muito cruéis, ou difíceis de implementar ou apenas por preguiça.

Mas essa, essa eu iria implementar. Minuciosamente planejada, com todo o cuidado, mas iria planejar.

Continuei com minha vida normal depois disso. Ia as aulas, fazia provas etc. Vida comum. Porem eu demorava cerca de 90 minutos para almoçar, o que antes era apenas 20 minutos.

Ficava a espera da garota. Foi apenas no terceiro dia que consegui acha-la, são 4 diferentes modulos de refeitório e não sabia qual ela iria e em qual horário.

Após avista-la, mantive-me escondido. Resolvi segui-la então depois de sair do refeitório. Nunca segui ninguém antes, mas a ideia básica é apenas não ser descoberto e maner a distancia, ne? Mas isso é um bocado difícil de se fazer. 

Você tem q manter uma distancia mas tem que seguir a pessoa no meio de uma multidão e em corredores longos e curtos em zig zag. Confuso, difícil. Quase perdi ela de vista umas duas ou trés vezes.

Mas mesmo que se eu tivesse que tentar seguir ela por dias e dias ate conseguir, eu faria, ela iria me pagar!

Segui ela ate uma sala qualquer que ela teria aula. Depois fui verificar o horário de aulas com as salas e descobri a qual turma ela era. Agora a grande sacada era conseguir o nome dela.

No site da universidade tive acesso aos alunos matriculados naquela turma. Olhei garota por garota, nome por nome, e comparando com perfil do Facebook consegui encontrar o nome daquela garota.

Liz Wandel, um belo nome. Com ajuda da lista telefônica e procurando pessoas com o mesmo sobrenome reduzi a lista de possíveis endereços para 60. Um grande numero. Como poderia eu reduzir mais?

Com a ajuda do Facebook sabia a cidade e o barrio que morava, com isso a lista se reduzia a 3.

Por sorte ela tinha muitas fotos no facebook com um perfil aberto. Fotos da casa dela etc. Comparando a visão de rua do google maps e as fotos consegui achar a casa dela.

Agora, o que eu faria! Como faria ela pagar? Gastei uma semana com essa trabalheira toda, mas pouco havia parado para pensar no meu plano. O que eu faria?

Isso era o mais difícil. O que eu queria mesmo era esperar ela sair de casa e jogar uma bandeja de comida nela, mas isso faria de mim um stalker e um psicopata, provavelmente ela prestaria queixas. É burrice usar a identidade real.

Melhor mesmo seria apenas por uma touca tapando o rosto e roubar ela, e falar para ela deixar de ser metida e tirada, senão eu voltaria para ela, que eu sabia quem era ela.

Isso pareceu um bom plano. Um bom plano mental.

Gastei mais uma semana estabelecendo a rotina dela, quando ela saia de casa, quando voltava, onde ia em dias uteis.

O melhor dia do ataque seria a quinta feira as 7 da noite, quando ela tinha cursinho de inglês. Então vigiei a casa dela ate a semana seguinte.

Quinta feira. 6 e meia. Tinha mais meia hora. A tensão agora fluiu. Agora era a hora.

Por alguns segundos ponderei, eu poderia correr ainda, não era tarde ainda. Mas pensei melhor, todos esses anos, sempre pensei em vingancinhas bobas, planejei mentalmente, e nunca pus a prova. Agora era a hora. Senão pela vingança, pela diversão. Ou vice-versa.

7 e 3. Ela estava saindo, pus minha touca e segurei uma faca comum que peguei de minha casa.

"Ai vadia, passa a bolsa" disse pra ela "não grita, quietinha".

Ela ficou parada com os olhos esbugalhados sem saber o que fazer. 3 segundos depois começou a histeria, a gritar, veio em minha direção com tapinhas femininos, um frenesi total. Apenas pensei "Me danei, se me pegarem aqui". Dai que o pior aconteceu, ela tirou minha touca. Assim que a touca caiu no chão ela olhou pra mim com um olhar de reconhecimento.

Demorou cerca de 10 milisegundos meu pensamento, mas pareceu que durou varios minutos. Fora o seguinte que pensei naqueles mizeros 10 milisegundos.

"Ela me reconheceu, e agora? O que eu vou fazer, não tem explicação, eu estou fudido, já era. Vou pra cadeia por que essa mulher gostava de jogar bandejas em mim. Não, não, não. Isso não vai acontecer, mesmo que eu tenha... que eu tenha..."

Peguei a minha faca e enfiei nela. Ela calou-se instantaneamente. Girei a faca e fui puxanda para cima. Se fosse pra fazer algo macabro assim, que pelo ao menos faça direito. Não podia deixar a possibilidade dela sobreviver, iria pra cadeia não apenas por assalto, mas por tentativa de assassinato.

Tirei a faca, peguei minha toca e sai correndo.

Por sorte apenas a faca estava ensanguentada. Minha roupa estava limpa. Fui ae um beco, encontrei papelão no chão e limpei a faca, tentando ao máximo não tocar nela para não deixar impressões digitais. Estava já a cerca de 15 quarteiros de la. Fiz um caminho totalmente não linear. Vi um bueiro e joguei a faca la dentro.

Voltei para a casa normalmente.

Já se passaram 3 meses. Ninguém desconfiara de mim, não tinham por que desconfiar.

Apenas percebi uma coisa tarde demais. Sabe quando acontece coisas do seu passado, mas o passado é tao passado que você nem se lembra mais?

Acontece que um primo meu que não tenho mais contacto morava naquela rua, melhor, na rua perpendicular aquela. Costumava ir la quando criança brincar no parquinho. Tinha uma especie de turminha.

Acontece que Liz fazia parte dessa turminha, há uns 18 anos atrás, igual eu. Lembro que eu era muito desajeitado e como a Liz era a única garota ta turma, todo rapaz do grupo gostava dela.

Acontece que ela estava derrubando a bandeja em mim não para me encher o saco, mas para ver se eu lembrava. Porque eu costumava, algumas vezes, sujar ela sem querer, muitas vezes alias.

E esse era o jeito dela de me punir e de dizer oi. Um estranho jeito.

Agora que penso, os últimos pensamentos delas deviam ter sido meu nome e a grande pergunta, Por que?

Eu me faço essa pergunta sempre desde então. Porque não guardar aquilo que penso pra mim mesmo. Porque meu deus?

Porque?